segunda-feira, 30 de junho de 2014

Pagina 17 Quando a luz vence as trevas

          Fechei os olhos do corpo e abri os olhos da alma em seguida. Tudo foi muito rápido e fácil, aos poucos eu ia me acostumando com tudo aquilo. Estava até gostando disso tudo, pensava.
         Estava agora em um lugar totalmente escuro, o ar era úmido e morno, o chão meio escorregadio e frio. Caminhei alguns passos tateando o nada tentando encontrar ao menos uma parede ou algo a que me apoiar, mas parecia que estava no centro do nada. Fiquei assim por algum tempo caminhando de olhos bem abertos e sem nada ver, apenas as trevas de meus próprios pensamentos. Senti minhas pálpebras pesadas com tamanha escuridão. Então ouvi um barulhinho. Parecia uma gota d'água pingando em algo. Me virei para um dos lados do breu e continuei ouvindo. Estava bem a minha direita, e muito perto por sinal. Segui para lá. Então o som parou... pisei o chão e ele estava molhado, era ali que estava pingando, mas onde? Agachei para sentir a água e então uma gota desceu pelos meus cabelos. Pus a mão e senti a gota tocando minha cabeça. Levantei, dei um passo pra trás e tentei pegar as gotas em minhas mãos, eu não sentia sede, mas aquilo me despertou tal sentido. Esperava encher uma pocinha em minhas mãos para beber quando ouvir um grito bem longe. Olhei tentando achar a direção de onde vinha. A voz me era familiar. Ceci? pensei. Onde? Me virei pro breu atrás de mim e a voz sumiu. Vi com clareza um pontinho brilhante lá longe. Meus olhos, engraçadamente, se espremeram quando foquei na luz. Quanto tempo estava ali? Pensei deixando a água de minhas mão caírem como se nunca tivesse tentado pega-las para beber. Era engraçado estar ali, em meus próprios pensamentos, parecia não haver nem tempo nem espaço! Cocei meus olhos e segui rumo a luz distante.
          Caminhei sentindo que ela aos poucos crescia, parecia proposital tudo aquilo, certamente era para que me acostumasse com a claridade. Continuei. Logo conseguia distinguir o que estava do outro lado da luz, era na verdade a entrada... ou saída de onde eu estava. A medida que me aproximava, sentia a luz tomando conta de meu ser, somente mais próximo pude notar que estava numa caverna, pois as paredes próximas a saída estavam bem iluminadas. Vi então alguém passando correndo do lado de fora. Parei. Outra pessoa passou. Foi tão rápido que não deu para distinguir quem ou o que era. Continuei seguindo. Quem poderia ser? Pensava enquanto me aproximava cada vez mais. Ouvi algumas risadas alegres que logo paravam. Pareciam se divertir. Quem estaria lá? Tudo aquilo foi logo me dando uma grande agonia, pois por mais que eu caminhasse mais distante parecia que estava de sair dali. Chegou um momento que eu comecei a correr e a distancia parecia sempre a mesma. Eu começava a suar e agoniar. Os minutos, ou segundos, ou sei lá o que, pareciam congelados. Eu já não sabia mais quanto tempo estava ali, e isso ia me dando uma revolta muito grande! Minha mente projetava todos os xingamentos que eu conhecia, só os piores enquanto as vozes continuavam sorrindo alegremente. Corri mais um pouco e parecia continuar no mesmo lugar. Xinguei espremendo meus dedos.
          "Calma filha... - disse de repente aquela voz que sempre me amolecia de tanta ternura - queira sair de dentro de ti filha. Ainda estás presa dentro de vós mesma... deseje sair, pois essas trevas nada mais são que sua própria mente..."
          - Yakecan? Perguntei abrindo um sorrisinho.
          "Sim filha..."
          Lembrei na hora de Ceci, quando me fez sentir certa inveja por ele estar lá sempre com ela, aparecendo pra ela, e pra mim só de vez em quando...
          "Todos podem me ver - disse-me lendo meus pensamentos - não há mistérios nos mundos além dos vossos, há apenas frequência e consciência diferentes. Estamos trabalhando para que esses fenômenos se torne para vós mais habituais..."
          - Senhor, mas como eu posso vê-lo?
          "Queira filha... assim como tens que querer sair dai..."
          Parei para pensar enquanto fitava a saída da caverna. Eu queria vê-lo, era fato. Queria mostrar pra mim mesma que eu era capaz disso. Comecei então a dizer pra mim: Quero vê-lo, quero vê-lo, quero vê-lo... enquanto forçava em minha mente sua figura, mas nada acontecia. Simplesmente nada!!! Aquilo foi logo me tirando do sério, pensei em Ceci. Pra ela, ele certamente apareceria!!!
          "Mude seus pensamentos filha - disse-me tão próximo a mim como se estivesse ao meu lado - a sua vontade tem que ser maior que a sua vontade de ser... Faça dessa experiência o seu fôlego de sobrevivência, a chama que ilumina sua escuridão. Queira filha, não apenas para mostrar a si mesma ou para outros que és capaz, essa vontade e pensamento nada mais faz do que te prender em seus próprios defeitos. As coisas são simples, assim como és simples nosso pai e criador que estais nos céus... veja, - disse com a voz calma como um rio cristalino e límpida quanto o sol - pense em um botão de rosas, - parou por um segundo - não é necessário muita força para fazê-lo brotar, ele simplesmente brota e nasce, por que é de sua natureza esse fenômeno, assim sois vós minha filha, uma alma livre, capaz de percorrer mundos que sua vivência atual jamais poderia lhe mostrar, apenas deixe que sua vontade seja tão grande quanto sua fé fazendo emanar de seu íntimo a força absoluta necessária para esse aprendizado..."
          Eu não entendia muito o que ele dizia, falava sempre difícil, geralmente me perdia nas primeiras explicações dos fatos, mas de forma estranha suas palavras abriam portas ocultas em minha mente, minha vontade e fé começavam a crescer sem que eu as forçasse muito. Tudo aquilo que presenciava era fruto de que é possível se viver em dois mundos ao mesmo tempo. Eu era capaz, e a prova estava ali, a minha frente, era só estender as mãos! Aquele mundo obscuro, cheio de incerteza, era na verdade minha mente vazia e danosa, e a frente existia a possibilidade, a realidade, a luz, onde pessoas transitavam felizes por ter transpassado pela etapa que eu estava tentando transpassar. Eu quis sair dali, dessa vez não para mostrar para alguém ou para mim que era capaz, mas sim por que eu queria sair, era direito meu estar ali correndo feliz, era direito meu deixar as trevas e adentrar a luz. Era direito meu!
          Quando dei por mim estava envolta pela magnanimidade daquele lugar, sentia às minhas costas a boca escura da caverna, mas eu mesma não estava mais lá. Estava agora do lado de fora! Respirando de forma lenta e prazerosa aquele ar fresco e matinal. Tudo aquilo era divino de mais, era como dizia as lendas sobre os vales verdes distantes, como se Tupã estivesse ali entre nós, me abraçando, me acolhendo... Lagrimas desceram de meus olhos enquanto via as poucas meninas correndo entre as arvores verdes e copulosas, enquanto me encantava com o vento de prata que cortava o horizonte refletindo o céu azul angelical. Caí de joelhos tapando meu rosto, sentindo transbordar em mim todo aquele amor, toda aquela paz, toda aquela plenitude que nunca sentira enquanto caminhava em meu corpo normal.
          - Aqui só é permitido chorar se for de felicidade - disse a Danra de repente bem a minha frente. Senti sua voz nítida e cristalina.
          Olhei para cima e encarei seus olhos negros que me fitavam com tamanha ternura. Levantei num impulso e a abracei. Sentia verdadeira saudades de minha mãe, e poder tê-la ali, era para mim motivo de prazerosa felicidade. Chorei enquanto ela acariciava minhas madeixas soltas e negras. Ela continuou:
          - Deixe filha, que saia tudo! Tudo o que estiver bloqueando suas emoções... filha... aqui só poderás ficar se estiver pura e pronta para as lições espirituais...
         Não sei o que acontecia comigo, eu chorava sem parar, em minha mente tudo o que já tinha sentido e passado caía por terra como uma tora de arvore sendo derrubada por braços fortes.
          - Por que Danra... porque estou assim? - Era a unica coisa que conseguia falar.
          - Estas em fase de aprendizado ainda querida - disse-me com a voz calma e suave - deixe que o seu processo seja o mais natural possível...
          Então alguém me chamou:
          - Natasha? - Olhei retirando do seio de minha mãe o rosto inchado e molhado, meus olhos certamente estavam pequenos e vermelhos. Tentei focar em quem me chamava, mas apenas vi uma jovem como eu se aproximando.
          - Saíra? Perguntei.
          Saíra se aproximava tão leve quanto o vento que soprava meus cabelos, sua fisionomia era totalmente diferente, ela estava linda com sua vestimenta amarelo ocre que descia até o chão. Seus cabelos soltos meneavam brilhantes como se refletissem, como se espelhassem o sol magnânimo sobre nós.
          - SAÍRA!! - gritei sem perceber.... alterando o tom em seguida - você está aqui também!!! Que legal!
          Corri para abraça-la e ela me retribuiu com muito amor, eu me estranhei fazendo aquilo, que lugar era esse para fazia mudar meus hábitos de forma tão rápida e tão profundamente? Eu, se estivesse em meu corpo de carne, certamente não a abraçaria, nem tão pouco a teria como melhores amigas. Mas ali, eramos como irmãs. Lembrei-me de Ceci, será que ela estaria ali também?
          - Vai descobrir, - disse a Danra como se lesse meus pensamentos.
          Olhei para trás e a vi sorrindo para mim, sequei meus olhos envergonhada e virei-me para Saíra, ela ia dizendo algo quando ambas vimos uma luz se projetando do céu e descendo até tocar o chão, esta estava um pouco longe de nós, lá em baixo aos pés da colina onde estavamos. Notei que as meninas se aproximavam da luz de forma harmoniosa, sentando ao seu redor.
          - Vamos? - Perguntou Saíra pegando minha mão.
          - Pra lá? - Perguntei.
          Ela assentiu com um sorriso angelical.
          - Vá filha, - disse a Danra se aproximando de nós - vocês despertaram de dentro para fora, agora receberão a verdadeira lição da alma...
          - Danra...
          Saíra me puxou e ambas descemos a colina em que estávamos. Íamos de encontro à luz. Meu coração se enchia mais e mais de bons sentimentos...























quinta-feira, 26 de junho de 2014

Pagina 16 Finalmente Ceci

          Levantei empurrando todas as índias que me seguravam. Fiquei de pé, e encarei Ceci! Seus olhos ainda eram os mesmos olhos meigos e amorosos de antes. Vê-la viva a minha frente era para mim um momento de radiante felicidade, meu corpo ainda estava mole, acredito eu, por ter me debatido de mais. Essa ultima experiencia me foi, de certo modo, muito intensa. Ainda sentia o cheiro forte das aranhas, pareciam estar impregnado em mim. Ceci veio e segurou minha mão, me deu um sorriso aliviado e eu retribui abraçando-a. Nem sabia que gostava tanto dela assim!Mas a apertei forte ao peito, na verdade eu acho que estava muito carente, era isso! Todas as outras índias  nos olhavam sem entender.
          - Ai Ceci... Que bom que está viva... - falei apertando-a ainda mais ao meu peito.
          - E não era para estar? - brincou ela retribuindo o abraço.
          Eu e Ceci sempre tivemos uma ligação muito forte, somos praticamente da mesma idade, separadas apenas por algumas luas. Nossos pais tem funções de importância na tribo e isso nos fazia diferentes dos demais. Sempre estávamos juntas, ou brincando ou conversando ou brigando, mas sempre juntas. Esses dias sem vê-la me deu um vazio muito forte. Era a única que me entendia, que me apoiava quando falava que queria ter a mesma liberdade que os homens de sair e caçar, essas coisas. Por que nunca fui a favor de ficar na aldeia para aprender a cozinhar e ser uma boa companheira. Nunca!
          Após abraça-la peguei em sua mão e a levei a um canto onde poderíamos estar em paz, sem olhos nos reprovando ou nos observando. Ceci veio, mas logo largou minha mão. A fitei rapidamente e notei seu semblante pesado. Queria saber de tudo o que tinha acontecido com ela, de tudo o que a fez se distanciar de mim. Sentamos no chão e nos apoiamos num dos troncos da Oca.
          - Ceci, tive um sonho muito estranho hoje... você estava...
          - Não foi um sonho Natasha - interrompeu-me ela me olhando nos olhos -  e você sabe disso.
          - Sei?
          - Estamos sendo todas observadas, todas...
          - Pois é... tem acontecido umas coisas estranhas mesmo, pelo menos comigo - falei enquanto desenhava com o dedo no chão - tive medo de me chamarem de... de... padála.
          - Que isso!?Claro que não Natasha! - Exclamou me repreendendo - Tem acontecido muitas coias com todas nós. Por isso estamos em observação...
          - É fácil falar, não foi nas suas costas aqueles olhares de reprovação.
          - Eu fiquei seis luas desacordada Natasha. - disse ela tirando o olhar de mim e fitando o vazio. - vi muitas coisas, senti também muita coisa... ate me revoltei, mas voltei e compreendi que para haver mudanças em nos mesmas terão que haver as revoltas, os desconfortos, as visões. Precisa se deixar bagunçar para depois por as coisas no lugar, entende?
          Fiquei em silencio, não sabia o que falar, fechei meus olhos envergonhada.
          - Por isso sumiu né? - perguntei fitando o chão.
          - Sim...
          Paramos de falar por um instante. Cada uma presa dentro de seus próprios sentimentos. Ceci estava realmente diferente, realmente mudada. Madura. Seu olhar meigo era o mesmo, mas suas atitudes e sua voz eram mais firmes.
          - Nunca mais ache que está enlouquecendo, Natasha, pois não está! Todas nós estamos enfrentando uma barra muito grande por estar aqui.
          - Não acho! - falei encarando-a -  Essas meninas tem a mesma cara desde o momento que estamos aqui. As únicas que vi mudando alguma coisa foram você e Saíra...
          - Eu tenho falado pouco com Saíra, onde será que ela está? - perguntou Ceci tentando acha-la na penumbra.
          - Não sei. - respondi sem interesse.
          Fiquei um tempo pensando nas palestras que tivemos dentro de nossos pensamentos, no que vi, no que senti enquanto desenhava furtiva peixinhos no chão.
          - Ah sim! - falei de súbito - Tem também uma indiazinha que nunca tinha visto na aldeia que estava desperta comigo nas palestras que recebemos de Yakecan.
         - Seria a Aiyra? - pergunto-me Ceci.
         - Ayra? Não sei! - falei - nunca perguntei o nome dela!
         - Deve ser -  disse Ceci voltando a me encarar - Ayira tem uma grande bagagem nas costas.
         - Bagagem?
         - Sim! Muitas responsabilidades para se fazer nesse mundo...
         - Como o que?
         - Ainda não sei... - disse focando o invisível novamente - Yakecan não falou muito.
         - Yakecan? - perguntei - você tem falado com ele?
         - Sim! - repondeu Ceci - ele tem sempre aparecido pra mim. Inclusive estava ao meu lado quando você despertou. Você não o viu?
         Senti, sinceramente, um pouquinho de inveja de Ceci, avergonhei-me e baixei o olhar.
         - Não...
         - Fique calma - disse ela ela tentando me animar - ele não aparece para todos ver. Só para alguns, mas...
         - Mas eu não pude ver, - interrompi - então isso que dizer que...
         - Não quer dizer nada Natasha... não é por que eu o vejo que sou melhor que você, apenas tenho a sensibilidade pra isso, nada mais!
         Parei um pouco pra pensar, e refletir. Ceci estava certa. Eu não o vi naquele momento, mas o tenho visto e sentido varias vezes em diversas ocasiões. Fiquei mais aliviada.
         Ficamos paradas sem falar por algum tempo, logo notei que Ceci ficava sonolenta e eu também, algumas das índias dormiam deitadas no chão. Sera que ia acontecer de novo? Que ia ser jogada a algum lugar desconhecido? Sera que iria para aquela floresta estranha novamente? Fiquei com medo, meu semblante certamente pesou. Olhei Ceci e ela já dormia encostada onde estava, e eu bocejava. Não ia relutar, pra onde for que fosse jogada eu iria, queria provar de mais e mais experiencias, aquilo tudo apesar de estranho era muito legal! pensei. Logo fechei os olhos do corpo e abri os olhos da alma, em algum lugar úmido e escuro...
       





















segunda-feira, 23 de junho de 2014

Pagina 15 A Força Incontrolável

          "Filha... - falou a Danra, minha mãe - Tens agora que encarar seu próprio medo e deixar fluir de você o que é de você..."
          - Danra! Do que está falando? - Perguntei. Houve outro barulho, dessa vez acima de nós. Olhei e vi um vulto passando.
          "Todos temos uma força filha... todos temos nossos próprios poderes guardados no mais profundo consciente ... e é hora de conhecer os seus... desperte filha... Desperte!"
          - Não estou entendendo Danra! Que força? Que poder? Do que está falando?
          Outro barulho, dessa vez maior que os demais me fez saltar do chão. Eu naquele momento não sabia para onde olhar, meus olhos miravam a figura ímpar da Danra a minha frente, enquanto o medo me impedia de olhar para outras direções. Meu corpo vibrava, minhas pernas perdiam forças.
          "Encare seus medos filha, e sentirá assim fluir de você a sua verdadeira força, a sua força Auí, Desperte Filha!"
          - Força Auí? - Perguntei quando um som rasgado ameaçou a cima de nós. Olhei para o alto temendo o que veria. Minhas mãos estavam fechadas e tremendo. As teias de aranha estavam espalhadas por todas as copas das arvores, haviam vultos gigantescos cruzando os galhos acima de nós.
          - DANRA! - Gritei dando um passo para trás.
          "Sua mente filha, - disse-me ela olhando me com aquele olhar terno que me amolecia - acredite em você ... desperte o que há dentro de você, deixe que saia...
          Vi com clareza o vulto descendo por trás da Danra, minha mãe não se mexeu, era como se não estivesse vendo ou estivesse fora daquela realidade. Eu travei olhando as pernas enormes encostando no chão.


          - MÃE!!!!! - Urrei perdendo o equilibrio. Minhas mãos tremulas apontavam para atrás dela.
          Naquele momento o mundo parou. Como se tudo tivesse congelado, petrificado, nada mais pareceu existir. Ouvia apenas o som pesado e acelerado de minha respiração enquanto fitava os olhos ternos e piedosos de minha mãe que me encaravam como se esperasse algo de mim. Algo então saltou fazendo com que a Danra sumisse em um estalo de dedos, a ultima cena fixa naquele momento foi o de seus olhos me pedindo uma reação da qual eu não entendia ainda...
          A aranha gigante saltou atravessando onde minha mãe estava como se nunca estivesse ali. Despertei do transe caindo estupefata para trás. Encarei o monstro como uma criança encara seu maior pesadelo. Aquelas patas enormes e aqueles olhos que me encaravam me fizeram tremer de uma forma que nunca fizera antes. Gritei pondo as mãos em meus ouvidos e abracei minha perna. Nesse momento ouvi outro baque no chão, olhei pro lado e vi outra aranha vindo pelo meu lado direito. Não sei onde arrumei forças, mas saltei do chão e comecei a correr desesperada. Sentia as lagrimas descendo pelo meu rosto, mas minha agonia e medo não me fazia raciocinar por mim mesma. Olhei para cima enquanto corria e vi que outras duas aranhas preparavam para saltar no chão, olhei para trás de relance e vi que as outras duas estavam vindo com toda a velocidade, gritei enquanto pulava os troncos espalhado pelo chão. O cenário mudou novamente. Eu estava agora na mesma floresta de antes, seca, escura, opressa e abafada.
         Corri me jogando nas arvores enquanto duas aranhas vinham logo atras de mim. Havia milhares de troncos a minha frente e milhares de outros galhos jogados, eu tinha que fazer alguma coisa! Olhei para cima e vi com clareza outras duas aranhas descendo bem a minha frente. Me joguei no chão tomando o rumo pela direita, corri até encontrar algumas pedras enormes que serviriam para me esconder, antes de chegar um jato pregadiço atingiu as pedras antes mesmo de eu me esconder, saltei gritando e chorando. Outro jato atingiu a arvore que eu ia me apoiar para mudar de direção, olhei para trás e vi as quatro aranhas vindo trombando umas nas outras, havia acima delas cinco outras jorrando teia pegajosa para todos os lados. Continuei correndo até que despenquei numa ribanceira rolando ate o fundo. Havia ali vários galhos partidos, peguei um e continuei correndo. De repente saltaram três outras aranhas menores na minha frente, saltei a primeira , pisei a segunda e finquei o galho na terceira, elas caíram rosnando um som que nunca ouvira antes. Continuei correndo desenfreada, olhei de relance para trás e vi que duas delas subiam pelas arvores acima de mim, girei uma arvore e mudei de direção, outras duas menores saltaram a minha frente, chutei uma, mas a outra saltou sobre o meu peito, gritei me jogando numa arvore, e a esmaguei e cai. Olhei para cima e uma das aranhas gigantes saltou sobre mim. Aquele foi o pior momento! Senti seu cheiro de mofo e sua textura úmida e fria. Me arrastei no chão fugindo de suas patas grandes e desengonçada. rolei pelo chão ate sair de baixo dela e continuei correndo, cinco jatos despencaram do céu vindo de todas as direções,  corri tapando minha cabeça, saltei uma pedra a minha frente e peguei outro galho grande do chão, este pesava e joguei rumando na aranha que vinha a toda trombando nas arvores , olhei para frente e vi uma arvore gigante com uma abertura em seu tronco, tinha que ir pra lá! Continuei correndo enquanto chovia teia para todos os lados, algumas me pegavam e eu as puxava com as mãos, logo eu não sentia mais os meus dedos, mas continuava correndo. Quatro delas, do tamanho das minhas pernas, despencaram no chão, duas na minha frente e uma vindo de cada lado de mim, eu estava cercada! Uma saltou do chão pulando em minhas costas, outra sobre a minha cabeça enquanto outra sedava minhas pernas! Desequilibrei e tropecei numa pedra rolando para o buraco dentro da arvore.
          Não sei onde tirei forças ou coragem, mas saí dali com cinco pernas em cada mão e duas rasgadas e dilaceradas em minha boca, cuspi-las e continuei correndo. Outra aranha pularam em minhas costas, mas caíram, ficando pra trás. Virei de súbito para esquerda usando o chão como apoio no momento que uma aranha gigante caiu quase encima de mim, haviam mais aranhas gigantes, eu corria enquanto contava mais de três! Todas caminhavam pelos galhos grossos acima de mim. Eu corria sentindo minhas pernas e minhas forças se esgotando. Olhei para frente e vi uma ribanceira ingrime. EU TINHA QUE DESCER POR LÁ!! corri com tudo o que me restava. Olhei pro lado e vi que três delas vinham pela minha esquerdas, peguei no chão outra vara e continuei correndo. Outra rajada bateu no chão no momento em que ia fincar em uma aranha, saltei duas delas caindo em cima de mais duas, desequilibrei e caí rolando pela ribanceira, minha queda durou alguns segundo que pareceram horas. Bati o corpo numa pedra e minha cabeça quase numa arvore, senti o sangue descendo, olhei meio tonta para cima e vi uma avalanche de pernas descendo desenfreadas por onde desci. Levantei, pequei duas pedras e corri, olhei pra frente e vi um vulto branco cruzando umas das arvores a minha frente, meu coração foi a boca e voltou. Quem mais estaria aqui? Pensei enquanto rumava uma pedra em cheio numa aranha que descia por uma teia. Olhei para a direita não vi nada, olhei pra esquerda duas gigantes acabavam de descer no chão e vinha trombando uma na outra, o vulto reapareceu pela esquerda das aranhas, assustei, era uma menina menor que eu! Larguei as pedras no chão e corri sentido das aranhas, elas ergueram seus apêndices gigantes com as duas patas dianteiras como que fosse me pegar, prendi meu folego e me joguei rolando por baixo de uma delas, peguei uma vara no chão e finquei em seu abdomem. Ouvi seu urro agudo enquanto passava rolando pelo chão, me levantei e fui em direção ao vulto, ele estava parado me olhando. Aproximei quase sem folego parando sem acreditar. Era a Ceci, ela estava de alguma forma ali comigo.
          - CECI!!! Urrei para ela no momento que duas aranhas caíram sobre sua cabeça. Não sei onde consegui forças, mas naquele momento não vi mais nada, apenas ela tentando se livrar desesperada do ataque das aranhas. Voei sobre elas puxando pernas pra todo lado, peguei Ceci e joguei em minhas costas.
         - O QUE VOCÊ ESTA FAZENDO AQUI? - Perguntei quase sem folego.
         - Me ajude Natasha... Me ajude!!!
         Ver Ceci ali me deu animo para continuar, olhava para cima enquanto corria e via a enxurrada de aranhas se amontoando sobre as copas das arvores, eram centenas, milhares, perdi a conta. Dentre elas haviam dezenas de outras gigantes, contei cinco descendo por arvores imensas.
         Segurei os braços de Ceci em meu pescoço e corri as ultimas gotas de energia que tinha, minhas pernas cambaleavam, e o suor misturado com sangue descia pela minha cabeça despencando em gotas que ficavam para trás. Três outras aranhas saltaram sobre Ceci que gritou agoniada. Consegui tirar duas, a outra começou a tecer uma teia que adormecia sua pele, Ceci gritava e eu corria, outra aranha menor se jogou sobre meu peito e eu a esmaguei sem pensar, seu sangue grosso e fétido descia pelo meu peito me dando ânsia de vomito. Então ouvimos um som forte.
         - TA OUVINDO? - Perguntei pra Ceici.
         - SIM!!! Será o que estou pensando?
         - SIM, ACHO QUE SIM!!! - Disse entusiasmada.
         Parei atras de uma arvore imensa para tentar ouvir melhor o som, mas haviam sete aranhas vindo por baixo a minha cola.
         - É por ali! - disse Ceci apontando pra minha direita. Por sorte não havia aranha alguma por la. Apoiei Ceci melhor sobre mim e corri quase sem força alguma.
        - Vamos morrer... VAMOS MORRER!!!- Dizia Ceci olhando pra cima de nós. O numero de aranhas triplicou!
        - CALMA! ESTAMOS CHEGANDO.
        Corri até um espaço aberto que separava a floresta de uma fenda onde as águas de um rio forte despencava, era quase ensurdecedor ficar ali, quase não se ouvia os grunhos das aranhas. Ceci se animou e eu já não conseguia mais correr, meu coração parecia querer sair pela boca, minha respiração estava alta e minha boca seca demais. Olhei de relance onde estava as aranhas e vi um jato gigante saltado por uma aranha gigante. Tentei jogar Ceci pro lado para não atingi-la, mas foi tarde de mais, A aranha prendeu ela num emaranhado de fios pegajosos. Desesperei sem forças caindo no chão, olhei em volta e vi quinze delas descendo pela teia, outras cinco descendo pelas arvores mais próximas, e uma enxurrada de pequenos jatos se atirando por todo lado tentando me pegar. Uma aranha pegou Ceci, cortou a teia e subiu por cima das outras que desciam. Vi estupefata sua voz sumindo entre os grunhidos e o som estrondoso da cachoeira.
          - Ceci... CECI!!!!!  - Urrei tentando me levantar, mas não consegui.
          De repente uma outra aranha abriu seus apêndices e fincou em Ceci que gritou agonizando, seu sangue descia pelo casulo que fora levada. Meu coração parou! Não sentia mais meu corpo, aquelas milhares de aranhas pareceu congelar-se para mim. Entrei num estado de ira e agonia que nunca sentira antes, meu corpo formigou de raiva, meus olhos se espremeram, minhas mãos tremeram de ódio! Ceci sumiu no emaranhado de pernas e eu me levantei leve muito leve, estava sem o domínio de mim, senti meus cabelos menear, minhas vestes vibrar, o chão tremeu abaixo de meus pés, as arvores que sustentavam as aranhas retorceram e uma raiz enorme subiu me erguendo do chão. Uma forca absurda emergiu de mim. Então o chão explodiu subindo centenas de milhares de raízes pontudas como lanças que voaram como hastes rígidas de baixo pra cima fincando em tudo que estava a frente. Então tudo se apagou, e eu cai desmaiada.
         Apaguei... não sei por quanto tempo... quando acordei, já estava em meu corpo de carne. Senti muitas mãos me segurando, muitas vozes me chamando, enquanto eu me debatia do retorno do transe. O que aconteceu comigo? O que foi aquilo? Ceci, CADE CECI!? Eu perguntava, mas ninguém respondia, as índias me encaravam na oca escura como que tentando entender, então vi que alguém se aproximou por trás delas, era Ceci, ela estava linda, toda de branco e rosto angelical... sorri aliviada e apaguei inconsciente, dessa vez sem lembrar de mais nada.













sexta-feira, 20 de junho de 2014

Pagina 14 Mundo Desconhecido

        Sentei-me no chão e encostei em um tronco qualquer. Tudo isso era muito novo pra mim, e eu tinha que me acostumar com a ideia de falar com minha mãe pelo pensamento.
       - Será que eu consigo falar com todos da aldeia pelo pensamento? - pensei. Acho que não!
       Continuei encostada enquanto minha mente vagava por todos os instantes que me fizeram chegar até ali. Meu pensamento voava enquanto eu me sentia cada vez mais e mais leve, aos poucos fui notando o quanto minhas pálpebras iam pesando, minhas pernas amolecendo... eu estava entrando em transe novamente? Travei. Abri meus olhos respirando fundo e pesado. Passei as mãos nos cabelos e procurei me acalmar: - calma Natasha... calma... pensava enquanto me recostava na arvore. Vou deixar acontecer... dessa vez vou confiar no que ouvi da Danra... Fechei os olhos e adormeci.
        Foi como das outras vezes, fechei os olhos do corpo e em seguida abri os olhos da alma. Logo de cara notei que não estava mais naquela floresta, o clima era totalmente diferente. O sol que meneava minha pele e iluminava as copas das arvores não existia mais, pelo menos ali onde eu estava. Olhei em volta e só vi escuridão... senti medo, me abracei!
        - Que lugar é esse!? Pensei enquanto arriscava alguns passos. Olhei para o alto e vi que o céu estava todo coberto por nuvens escuras e frias, elas se movimentavam lentamente como que trançadas umas nas outras, olhei mais na linha do horizonte e vi iluminado encoberto pelas nuvens, aquilo provavelmente era a lua pensei...
       Passados alguns minutos e eu já ia criando confiança. Soltei os braços, olhei a frente com o queixo mais erguido, respirei fundo e caminhei alguns passos com mais confiança. O que poderia ter ali que fosse me fazer mal? Pensava enquanto me encorajava. A minha frente havia uma colina que não era nem muito alta, mas também não era muito baixa, de cara pensei em subir-la, provavelmente de lá de cima conseguiria ver melhor onde eu estava. Fui subindo cada vez mais confiante na certeza de reconhecer melhor o lugar até chegar o cume. Cheguei! Logo notei que havia algumas arvores bem distantes, quase imperceptível devido a penumbra do lugar.
       - Meu Deus que lugar enorme...! - Falei para mim mesma. - Onde será que estou?
       Olhei para baixo e vi que havia uma trilha que dava a um arvoredo aos pés da colina, esse arvoredo se juntava a outras arvores que eu não havia notado ainda. Era definitivamente um lugar muito estranho e sombrio. Eu estava ali por algum motivo, então teria que explorar o ambiente. Desci pela trilha.
        Caminhava sentindo sob meus pés a grama fria e as varias pedrinhas jogadas no caminho, vez ou outra encontrava um galho seco que eu chutava. Não demorou e eu cheguei nas arvores baixas, toquei seus troncos como que acariciasse um animal de estimação, aquilo estranhamente me reconfortava. Olhei em volta e vi que havia varias delas: Araçás, Aroeiras, Capororocas, Caviúnas... todas misturadas. Ali eu me senti em casa, então caminhei com mais confiança. Fiquei ali por alguns minutos e segui saindo daquele amontoado de arvores, olhei à frente e vi um grande campo aberto, toquei com os pés o gramado escuro e senti sua textura áspera, agachei tocando o chão e estranhamente senti uma conexão muito forte com aquilo tudo. Acariciei o mato baixo como se intimamente fossemos um só. Estranhei. Levantei e segui.
         Caminhei sentindo o vento frio começando a soprar, gostei da sensação de senti-lo tocando minha pele e meneando meus cabelos, senti liberdade para arriscar uma corrida e assim o fiz. Era gostoso sentir o ar frio tocando meu rosto enquanto minhas vestes cantavam sacudindo ao vento que se intensificava. Olhei para cima e notei que o clima começava a mudar, parecia que logo iria chover... estranho, pois não estava assim antes! Eu tinha que me esconder, as nuvens pareciam mais próximas como se quisessem entrar uma na outra. O vento lá em cima definitivamente não estava tão gostoso quanto este que eu sentia em minha pele. Acelerei o passo para atravessar logo aquele campo aberto que parecia interminável. Eu corria me sentindo cada vez mais leve, como se pudesse voar por aquele campo, era aquela uma sensação de liberdade que eu nunca experimentara, nunca pude ter, eu estava amando estar ali. Logo senti uma gota fria tocando minha testa, olhei novamente pra cima e vi milhares de outras gotinhas descendo como uma torrente incontrolável da chuva. Eu acelerei ainda mais e cheguei abaixo de algumas araucárias que pareciam querer me proteger. Abracei-me a elas e fiquei ali contemplando a chuva que caía pesada. O som da água tocando o chão era musica para meus ouvidos.
          - Será isso tudo um sonho? Mas não é possível, é muito real!! - Me perguntei enquanto olhava maravilhada aquela chuva repentina. Olhava admirada as gotas que desciam, elas tinham uma tonalidade prateada lindíssima que nunca vira antes, olhei para o largo tapete gramado e fui notando que a chuva tingia a grama com milhares de pontinhos prateados brilhantes. Fiquei ali até que quase todo o gramado tivesse modificado a sua cor triste, eu logo me vi na vontade de continuar seguindo.
          Eu pensava mil coisas sobre tudo isso enquanto me abraçava ao tronco da arvore. Girei um pouco e notei que atrás de mim havia uma floresta cheia de arvores retorcidas e escuras. Senti, sem explicação, uma pontada forte em meu peito. Era exatamente o oposto do que eu presenciara a pouco. Era escura, fria, temerosa... não sabia se queria entrar. Olhei novamente para trás e vi que a chuva havia parado, e os milhares de pontinhos brilhantes haviam simplesmente desaparecido. Virei novamente para a floresta e a encarei. Fiquei ali não soube por quanto tempo... mas foi o tempo suficiente para me decidir e entrar!
         Quando atravessei as primeiras arvores retorcidas a sensação que tive era a de estar entrando em uma estufa. Olhei para trás e o campo aberto havia desaparecido. A floresta me cercara por todos os lados como que se tivesse vida própria. Pensei em gritar, mas me segurei. Novamente agachei tocando o chão frio. Tinha que busca conforto em algo e achei, aquilo, o solo, o chão, a grama definitivamente me reconfortava dando-me mais força. Ergui-me mais confiante e prossegui. Andei desviando dos troncos enquanto sentia que o chão ia se tornando mais e mais úmido. Como se eu estivesse entrando num mangue. Um pouco mais a frente as arvores pareciam ter nojo de tocar o chão, e suas raízes protuberantes erguiam-se do chão formando arcos enormes que se estendiam por toda parte. Me senti ali mais perdida e sem esperança. Olhei para um lado, olhei pro outro e tudo estava igual. Como se eu pisasse num mangue infindável.
          - Preciso sair daqui... - falei enquanto subia em uma raiz protuberante - vou ter que seguir por cima, em baixo é impossível...
         Caminhei pelas raízes tentando me equilibrar nas arvores, aos poucos fui notando que o mangue ia ficando para trás e logo eu estava liberta daquela emaranhado. Segui assim por vários minutos até que saltei da ultima raiz caindo direto no chão seco e frio. Olhei pra trás e não vi mais o mangue, a floresta se mostrava agora uniforme, complexa e densa. Puxei o ar e ele me faltou. Comecei a sentir medo, olhei tudo em volta e senti que os troncos retorcidos e os galhos antigos daquele lugar caminhavam em minha direção, como se quisesse me sufocar! Eu tinha que sair dali, mas como!? Toquei o tronco de uma arvore tentando me reconfortar, e senti medo. Olhei para os lados e parecia que havia olhos, vários olhos me observando. Tentei vê-los, mas não consegui... eu os sentia, mas não os via. Larguei a arvore e segui apressada e sem olhar para trás. Entrei numa trilha que descia por uma ladeira cheia de pequenas pedras na qual eu me apoiava até chegar na parte mais plana. Lá embaixo notei que as arvores agora estavam mais distante uma das outras, olhei para cima e notei admirada de suas copas, pois eram tão densas e espaças que tapavam quase que por completo o céu escuro. Havia naquele lugar milhares de filetes prateados que desciam das brechas que encontravam entre os galhos e folhas altos, a lua acima parecia ter se mostrado para refletir tantos filetes de prata. Mas eu não podia vêla.
        Continuei seguindo admirando tudo aquilo, ali o clima não era o mesmo, não era nem um pouco abafado, ao contrário, era leve e prazeroso... havia um leve cheiro de jasmim. Segui por alguns minutos aproveitando e gozando da liberdade, mas logo isso mudou. Estranhamente senti aquela mesma sensação de que estivesse sendo vigiada. Olhei para trás e não vi nada, olhei para os lados e também não vi nada, ninguém, nem tão pouco vulto algum. Então corri, corri não sei por quanto tempo ziguezagueando os grandes troncos das araucárias e saltando alguns seixos de pedra jogados no chão. Logo percebi que o cenário mudara de novo. Estava agora perto de um salão enorme cercado por troncos e galhos velhos e retorcidos, eles se trançavam tão perfeitamente que pareciam não ter sido feito pela natureza. Os filetes de prata preenchiam o ambiente dando uma sensação mórbida ao lugar. Eu olhava estupefata tudo aquilo. Naquele momento notei alguma movimentação nos galhos altos mais a frente, titubeei alguns passos e foquei o olhar tentando enxergar o que era. Vi então que algo descia do alto por uma fina teia semi-transparente, fiquei encarando aquilo até que a coisa sumisse no chão. Eu não consegui identificar o que era, então fui até la para certificar. Caminhei em direção aquilo tentando o máximo identificar antes de toca-lo. Não consegui. Aproximei e o peguei em minhas mãos notando que era uma teia de aranha, firme e pegajosa. Olhei para cima e vi que havia varias outras teias, na verdade pareciam redes enormes espalhada por toda parte. Ouvi então um barulho atras de mim. Travei. Virei abrupta e dei um grito!
          - DANRA!?
   






















terça-feira, 10 de junho de 2014

Pagina 13 O Poder do Pensamento

          Ali estava eu... sentada... inconsolada... chorando copiosamente! Não sabia definitivamente o que estava acontecendo comigo. Em minha mente vinha forte a palavra padalá, padalá... tinha medo que soubessem desses meus devaneios e me sacrificassem. Eu, naquele momento, não tinha chão, não tinha nada. Minhas mãos pingavam as lagrimas que desciam sem parar, meus soluços reverberavam por aquelas arvores velhas e por aqueles galhos...
         "Levante-se! Erga sua cabeça e enfrente seu problema de frente!!!" Disse me uma voz firme em minha cabeça. Eu nem me assustei, nem titubeei, apenas respondi em voz chorosa.
         - Como me levantar? Todos vão me olhar com aquele olhar...
         "Deves ser mais forte do isso filha, tens que vencer essa etapa para conhecer te a ti mesmo..."
         - Eu não consigo... NÃO CONSIGO!!!!!
         "O medo filha, és algo que estás em sua mente... sejas mais forte... enfrente-o!"
         - Como enfrentar isso? - Perguntei erguendo minha cabeça e olhando para o nada - Se eu mesma não entendo o que está acontecendo? Voltei a chorar...
         "Por que choras filha?" Perguntou-me uma outra voz em minha mente, dessa vez mais suave e amorosa. Aquela altura eu já não distinguia o que era físico ou etérico.
         - Tenho medo...
         "Medo? Mas de quê filha?"
         - Sou uma padalá... UMA PADALÁ!!! VOCÊS ENTENDEM O QUE É ISSO!? - Urrei mirando pra qualquer lugar.
         "E não são os padalas filhos de Deus também? Não tem eles seus direitos? Filha... não existe ninguém louco nesse mundo, existe pessoas que enxergam realidades diferentes de outras... tudo é questão de sintonização..."
         Parei para pensar. Apoiei meu rosto nas mãos, movi meus olhos inchados de uma pedra a outra, e voltei a chorar.
         - Você não entente!!! NINGUÉM ME ENTENDE!!!
         "Enquanto continuar agindo assim só atrairá mais desgraça para perto de você filha..."
         -Palavras... palavras... elas não salvam ninguém... - a essas horas eu estava emocionalmente descontrolada, irredutível  - é muito bonito ouvir palavras que fortalecem nosso coração, mas elas se vão, se perdem... como um beju na boca que some deixando apenas o sabor e a lembrança.
         "Seus pensamentos são o reflexo do que vós quer que seja atraído para vós filha... - dizia a voz paciente e amorosa - "ninguém nunca lhe disse que seria fácil, nunca é fácil para quem foi escolhido filha... por esse motivo estás em observação,  para que aprenda a lidar com o que lhe está acontecendo."
         - COMO EU POSSO LIDAR COM ISSO!!? - Explodi me contendo em seguida. - Todos riem de mim, todos torcem o nariz pra mim, ninguém vem ter comigo, eu sou uma miserável, nem meus pais querem saber o que eu faço, ou o que eu penso... se tu es tão sábio assim, me diga... ONDE ESTÁ MINHA MÃE E MEU PAI? ONDE ESTÁ ALGUÉM QUE POSSA OU QUEIRA ME OUVIR OU ME AJUDAR!!!
        "Filha, as lágrimas que descem de vosso rosto são gotas necessárias para umedecer o chão seco de vossas próprias atitudes. Nesse mundo que vives os testes são constantes, para que cresça e aprenda a ser mais forte e gentil... como queres conhecer os segredos dos céus se o seu maior tesouro que és o seu coração se encontra escuro e seguro em uma caixa intransponível?"
         - Não sei do que está falando... não entendo direito o que isso quer dizer... sou uma miserável, isso sim!
        "Filha, nunca mais afirme aquilo que não queres que nasça sob seus pés! Semeie apenas coisas boas, vibre e pense apenas coisas boas para que o seu chão se torne fértil e a sua colheita segura e farta..."
        - Por favor... me deixe ficar só... - disse eu pondo as mãos em meu rosto desconsoladamente - eu preciso pensar um pouco... não está sendo nada fácil para mim...
        "Percebes o quanto se apega no problema e esquece-te da solução? - disse a voz acentuando seu timbre grave e aveludado - Mas sim filha, este é o teu momento, saberei respeitar..."
        Naquele momento me senti pior que quando cheguei. Senti um vazio tomando de conta de mim como um véu faminto a devorar todas as coisas. Chorei... chorei por horas a fim até que adormeci. Naquele momento tudo pareceu mais calmo, pois novamente, assim que encerrei os olhos de meu corpo abri os olhos da alma e vi com bastante nitidez um mundo que desconhecia, que era novo, e que estranhamente me abraçava ao peito.
          Eu estava em pé sobre uma colina verde esmeralda, o céu tinha uma coloração mais acentuada da que costumeiramente veia, não havia nuvens ou sol, mas sua luminosidade estranhamente não deixava sombra alguma, mesmo sob as arvores que remontavam aquelas colinas. Caminhei muito lentamente, aquele mundo verde, por mais lindo que fosse, não me trazia a paz de espirito que precisava. Caminhei até uma arvore próxima e me recostei. Não tinha forças mais para chorar, apenas encostei meu corpo no tronco e fitei o horizonte sem expectativa alguma. Fiquei ali por um tempo que não soube contar, apenas fitando e me recompondo. Aos poucos fui sentindo minhas forças voltando, meu ânimo renascendo... abracei minhas pernas e encostei meu queixo nos joelhos...
          - Onde eu será que estou? Pensei furtivamente.
          "Estais em seus pensamentos filha..." Respondeu-me uma voz feminina. Eu assustei erguendo minha cabeça... eu olhei para todas as direções:
         - Quem está ai? - Perguntei tentando ouvir a resposta - Danra? É você?
         "Sim filha, - disse a voz segura e límpida - sou eu... - Ela surgiu por de trás de mim.
         Eu a olhei admirada, pois estava linda, divina, reluzente!
         - MÃE!!!
         Saltei do chão e voei abraçando-a. Tinha tanta saudade em meus braços que chegava a tremer, eu voltei a chorar, só que dessa vez não de tristeza, e sim de felicidade... aquela felicidade que você chora sem motivo, apenas chora...
         "Não me chamou filha? E aqui eu estou..."
         - Mas como? Como soube? Quem te falou? Perguntava ansiosa e feliz.
         "Filha, - disse a Danra acariciando meus cabelos - quando entenderes as maravilhas do poder de teus pensamentos tudo poderás ter, tudo poderás entender..."
         - Vocês falam de um jeito que eu não entendendo... é complicado sabia?
         "Sim filha, - disse me ela dando um pequeno beijo em minha cabeça - o seu presente foi o meu passado, e eu superei, e tenho total confiança de que também entenderá, tens apenas que ter paciência...
         Parei para pensar... as palavras da Danra minha mãe eram muito parecidas com as palavras que eu ouvira da voz misteriosa...
         - Mas... mas o que eu tenho que fazer então? Perguntei erguendo minha cabeça e a encarando. Notei então seu olhar gentil e piedoso que acariciava meu coração dando-me uma vontade incrível de fazer diferente.
         " Tens que ter paciencia e acreditar no que estas recebendo. - Ela parou e fitou-me nos olhos, parecia olhar inteiramente meu ser, inteiramente meus medos... - Volte agora para teu corpo e revista-te de confiança, logo as tentativas de despertar de Yakecan se cessarão, e só restará aquelas que estiverem despertas conscientemente em ambos os planos do pensamento: O consciente e o subconsciente..."
        Parei para refletir suas palavras, por uns segundos senti uma nova chama se ascender em mim, uma nova esperança germinar no solo seco que eu cultivava... senti medo... medo de fracassar, pois conhecia minha personalidade, sabia que não seria fácil...
       Consenti com a cabeça e senti tudo revirá, e sem que percebesse fechei os olhos da alma e abri os olhos de meu corpo físico. Tudo estava vivo e belo, notei os cantos dos pássaros mais nítidos e o farfalhar das arvores mais harmoniosos. Eu me sentia mais preparada, mais firme. Levantei-me, sacudi minhas vestes e segui... confiante!























       

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Pagina 12 Preto no Branco

          Abri meus olhos físicos com algumas lágrimas que desciam desenhando meu rosto. Eu definitivamente não queria levantar, queria fica ali... deitada... curtindo essas grandes experiencias que estão de fato me transformando por dentro. Olhei para cima, e notei que o céu azul já nos abraçava com sua tonalidade majestosa, fiquei ali pensando em tudo o que Yakecan dissera... meus olhos pareciam não me obedecer, e meus sentimentos pareciam ter vida própria, estava difícil controlar esses sentimentos. Passei então as mãos nos olhos e sentei. Olhei para a entrada da oca e novamente não vi os caciques, passei o olho na penumbra que ainda cobria aqui dentro e não vi mais nenhuma das índias. Eu sempre era a ultima a voltar? Pensei enquanto me levantava. Arrumei meus cabelos, joguei-os para trás e segui...
         O dia estava realmente lindo... levei algum tempo para me acostumar com a luminosidade, mas logo segui sob o sol que começava a sair por de trás das arvores. Lembrei-me da Danra e de papai, precisava vê-los de algumas forma... fui pra nossa oca. Enquanto caminhava notava que alguns irmãos nossos de tribo me olhava admirados, outros torciam o nariz pra mim. DEFINITIVAMENTE EU GOSTARIA DE SABER O PORQUE!! Minha vontade era de ir lá e perguntar, mas não... eu me contive e segui, também sem olhar na cara deles... Cheguei na oca, entrei. Olhei pensando ver a Danra ou papai, mas novamente estava vazia. Senti um desgosto tomar conta de mim e a ira tocando me profundamente. Procurei logo me conter, respirei algumas vezes puxando o máximo de ar que conseguia... não podia deixar que isso jogasse a baixo tudo o que eu estou conquistando.
          - Tudo bem... tudo bem... - dizia eu para mim mesma - eles vão aparecer em algum momento e tudo voltará ao normal...
          Ouvi um ronco e percebi que estava com fome, MUITA FOME  na verdade. Precisava comer algo urgente, pensei em voltar à floresta e procurar algo para comer, mas não... talvez haja um pouco de niguara para comer. Saí da oca e dei a volta por trás para procurar. Achei as toras de pau, onde cozinhamos nosso niguara, queimada. Toquei e vi que foi recentemente usada. olhei ao lado e encontrei uma cuia cheia de niguara e outras duas com beju e alguns peixes recém caçados. O bom era que estava frescos e recém cozinhados. Comi tudo em minutos, parecia que eu não comia a anos. Me senti satisfeita, precisava agora de um banho. Pensei. E segui para o rio...
          Atravessei a aldeia, cheguei na saraboya que dava para o rio e a trilhei. Logo já podia sentir a brisa gelada natural que emanava do rio caudaloso. Era realmente uma delicia sentir aquilo, me fazia transportar para mundos distantes... era o único lugar que eu poderia passar horas meditando.
         Antes de chegar ao rio eu parei, pois ouvi algumas risadas que vinham do rio, eram altas e pareciam muito bem humoradas. Quase que por extinto meus lábios se contorceram... pensei que estaria sozinha! pensei comigo, mas terei companhia, enfim... continuei até chegar no rio. Para minha surpresa notei que eram quase todas as índias que estavam comigo na oca, senti-me aliviada. Logo abri um sorrisão e entrei com elas. Aquela manhã, para mim, foi maravilhosa... estávamos todas nós, nos divertindo, jogando água umas nas outras, nadando, pulando, afundando, cantando e até brigando, porque eu né... se não houvesse uma briguinha não seria eu! Sorri.
        Ficamos assim nem sei por quanto tempo, alguns jovens índios se aproximavam, mas respeitosamente se afastavam, pois notaram que ali só haviam meninas. Adorava isso! Pensei. Depois de algumas horas me contive somente a observar os grupinhos que se formavam, fiquei com o corpo submerso apenas deixando para fora meus olhos e nariz. Ali pude notar que algumas das meninas se juntavam para conversar animadamente. Confesso que senti um dedinho de inveja... quem queria conversar comigo? Olhei pros lados e logo cheguei a conclusão... NIGUÉM! Mergulhei chateada, enfim... eu tinha que me acostumar...
        Fui até o fundo do rio, puxei um punhadinho de areia e subi deixando que elas se desfizessem das minhas mãos. Adorava essa sensação, era reconfortante... Subi para a superfície mais feliz. Chegando, notei um silencio abrupto no rio. Olhei pros lados e não vi nenhuma das índias. Ué, para onde foram todas?Pensei sem entender. Eu olhava inconformada para todas as direções e não via mais ninguém... não era possível que TODAS FORAM EMBORA E NEM ME ESPERARAM!!! Comecei a borbulhar de raiva, DE NOVO!!! Dessa vez não fiz o minimo esforço para me controlar, QUE COISA!!! Pensava xingando alto em minha mente. Meus olhos em fúria miraram o céu azul sobre mim e desceu sob a floresta, minha cabeça chamava todas as índias de todos os nomes de animais que eu conhecia, até que notei algo entre duas grandes arvores. Foquei o olhar espremendo um pouco a vista e notei que era um vulto escuro. Parecia me observar. Senti meu corpo congelar, senti câimbra nas pernas, vontade de correr! Isso são horas de acontecer?! Pensei tentando correr do rio. Olhei novamente o vulto e ele me encarava, vi que tinha os mesmos olhos amarelos dos que havia visto anteriormente. Gritei com medo enquanto corria. Eu estava inconformada e desesperada. A mistura disso deu num tropeço súbito. Eu caí batendo a cabeça no chão.Então ouvi vozes e senti varias mãos frias tocando meu rosto.
        - Natasha... NATASHA ACORDE!!! - diziam as índias enquanto me sacudiam.
        Eu despertei em choque na mesma situação de antes. Como se estivesse horas sem respirar debaixo d'água e de repente subisse emergindo puxando todo ar que conseguisse.
        - O... O QUE cof cof cof O QUE ACONT- ACONTECEU!? - Perguntei com os olhos arregalados, enquanto olhava na cara de cada uma delas.
        - Nós é que perguntamos... você saiu correndo do rio e caiu aqui desmaiada...
        - Eu o que? Peguntei indignada. - Vocês que foram embora e me deixaram aqui... - levantei a cabeça tentando ver o vulto novamente. Ele não estava mais lá. - E tinha... o... - tentava dizer, mas não conseguia, ou não queria falar.
       - Shhhhhh -  Fez uma das índias para mim. Esta me pôs gentilmente em seu peito como se quisesse me acalmar. Eu explodi jogando ela para trás. Todas me olharam me reprovando, eu as xinguei e saí correndo.
       - Estou perdendo a noção das coisas? Pensava enquanto sumia dentro da floresta. Como? Dizia para mim mesma enquanto me sumia na mata.
       -Eu conheço os costumes do nosso povo, se eu ficar assim vão me chamar de padalá , e serei sacrificada sendo enterrada viva! Não posso estar enlouquecendo... padalá NÃO!!!
       Eu estava completamente fora de mim. Não sabia o que fazer, ou o que falar. Precisava conversar com alguém... mas quem? Lembrei-me de Ceci, onde ela estaria? Precisava definitivamente dela... desabafar, chorar... gritar!!!! Ouvi um estalo na mata. Meu coração foi a boca. Olhei para trás e vi os mesmos olhos amarelos, dessa vez naquela onça negra. Eu parei estatelada. Sem reação. A onça deu um passo em minha direção, abaixou a cabeça lentamente como que se preparasse para avançar. Fiquei sem reação... minhas pernas amoleceram. Lembrei-me do irmão de Saíra que fora morto, e consecutivamente lembrei-me de Moara! Então ouvi um assobio, a onça virou a cabeça para trás em seguida me encarou. Naquele momento eu não identificava nada a minha volta, as arvores, os pássaros, o chão, o céu... TUDO ficou branco. A onça deu meia volta e sumiu na mata. Eu caí sem reação. Encostei-me numa arvore e chorei... chorei como uma criança sem pai e sem mãe. O que estava acontecendo? O QUE ESTAVA ACONTECENDO??? Era o que reverberava em minha cabeça... e fiquei ali, sob aquela arvore, tentando achar uma resposta para tudo aquilo...

























sábado, 7 de junho de 2014

Pagina 11 O amor de Yakecan

         Eu ainda ouvia os suspiros de Saíra, mesmo algumas horas depois de termos conversado. Após fato ocorrido, não ouvi mais os risinhos de Kananciuê. Procurei então me distanciar um pouco das meninas, queria eu agora cultivar minhas próprias lágrimas, minhas dores... Será que cada uma estava passando por algo assim como eu? Se sim, o que sentiam? Será que eram dores ou dúvidas? Eram mais leves ou mais pesadas que as minhas? Acho que nunca irei saber, também nem vou perguntar...
          Levantei e segui procurando um canto que fosse escuro ou que pelo menos me cobrisse, queria ficar definitivamente sozinha! Havia algumas meninas sentadas, outras em pé conversando desconfiadas. Outras olhavam pra mim com aquele jeito que não gostava, como se desconfiassem de algo. Torci meu nariz pra elas e segui. Eu caminhava eu sentindo meus pés descalços, estranhamente parecia que caminhava sobre algo macio, como que alisando aquele chão frio de areia bem pisada, era reconfortante apesar do frio. O tempo ia segundo e a cada minuto que passava sentia que mais se esfriava, eu sentia isso, mas meu corpo estava quente. Sentia a brisa entrar pelas frestas das folhas secas e apesar do frio sentia calor, um estranho calor. Fui caminhando até encontrar o lugar mais escuro, e achei. Estava lá no fundo onde não tinha uma viva alma. Segui aliviada.
          Chegando, senti meu corpo sendo abraçado pela penumbra, como se houvessem braços escuros me esperando. Senti um forte calafrio, daqueles que te faz arrepiar da cabeça aos pés... Me abracei! E devagarinho fui me abaixando, me colocando de uma forma confortável...  curtindo minha a solidão... quando então ouvi um: cof cof cof... Alguém estava aqui também!!! De cara torci os cantos dos lábios... Queria ficar só! Que coisa! Pensei... Olhei ao redor tentando identificar quem estava ali e vi uma índia mirradinha, um pouco menor que eu, abraçada em suas próprias pernas como se.quisesse se esquentar. Fiquei por alguns segundos fitando a pobre infeliz... Dentro de mim eu a contorcia em meus pensamentos, se ela pudesse ver minha cara sairia correndo, certamente...
          Pigarreei para ver se ela ao menos me olhava, e nada. Ergui minha cabeça para ver se havia algum outro lugar, mas logo desanimei. As índias se espalharam pela oca toda afim de dormirem no chão. Havia pouquíssimas em pé. Funguei logo desalentada! E recostei vencida minha cabeça nas palhagens.
          "e agora o que será de nós?" Pensei imaginando mil coisas. Olhei para os caciques na entrada e notei que eles conversavam entre eles, ergui as sobrancelhas surpresa, e fiquei observando. De onde eles estavam, na minha visão, pareciam crianças pequenas e bem distantes. Fiquei assim por um bom tempo, apenas observando enquanto minha mente vagava em mil perguntas sem respostas. Aquela cena, junto ao silêncio sepulcral, foi fazendo minhas pálpebras pesarem, fui sentindo o corpo relaxando, quase ao ponto da dormência. Eu estava quase dormindo enquanto os observava. Eles conversavam numa agitação crescente, como se discutissem algo entre murmúrios... Vi então que alguém se aproximou por trás deles, minha vista estava tão turva que nem identifiquei quem era ou se eu estava imaginando algo. Mas me parecia uma mulher, uma india... Continuei olhando... Senti naquela hora uma forte saudade de minha mãe, a Danra. Um furtiva lágrima desceu desenhando meu rosto enquanto minha respiração ia tornando-se cada vez mais pesada e lenta, não queria dormir...! Pensava enquanto tentava focar a vista. Quem estaria lá? Pensei. Fiz um último esforço para ver com um pouco mais de nitidez e consegui formar melhor a silhueta em minha mente. Aqueles cabelos, aquela altura, aquela... Aquela sensualidade natural somente uma pessoa nessa aldeia poderia ter... Meus olhos queriam se espremer, a chama no peito quiz se acender, mas foi tarde de mais! Caí em sono profundo. Fechei meus olhos...
          Assim que os olhos do corpo se fecharam os olhos da alma se abriram. Acordei do outro lado xingando e xingando Moara! A raiva que não consegui sentir no corpo transbordava agora em meu íntimo, e parecia fluir com muito mais intensidade... Olhei ao redor tentando me localizar e reconheci na hora as paredes de pedra e o ar úmido de antes. Estava na mesma caverna de antes. Parei para refletir, não podia sentir essa raiva toda, não aqui! TINHA QUE ME CONTROLAR!!! Tentei respirando fundo e pausadamente. Olhei o ambiente enquanto buscava o auto controle, girei meu corpo e vi o mesmo fecho de luz descendo do alto e lááá longe... Sabia que tinha que ir para lá, e fui. Caminhei sem tatear nada, como da última vez. Eu seguia como se já conhecesse o lugar, e a medida que me aproximava da luz mais calma eu ia ficando... Logo eu estava com outro semblante, sorridente e bobamente feliz. Vi as meninas sentadas em volta ao altar iluminado, percebi que todas estavam meio congeladas, paradas, pois não se mexiam. Pareciam dormir acordada... Mas enfim... Me sentei... Cruzei as penas e esperei...
          O tempo foi se passando e o silêncio parecia me consumir, até que ouvi barulhos próximo, como de pés se arrastando. Olhei em volta e vi a índia que estava escondida perto de mim se aproximando, ela provavelmente havia dormido o corpo mais tarde que as demais. Na ocasião ela parecia meio angustiada, o que será que ela sentia? Foi logo a primeira coisa que pensei... E a pobrezinha sentou se muito longe de mim. Naquele momento algo se acendeu a nossa frente, vi pelo canto do olho... alguém havia chegado! Olhei para o altar e vi com clareza a luz se tornando gente... Era Yakecan! Estava lindo e altivo, com as mesmas vestes que parecia reluzir luz viva aos meus olhos. Me encantei... Aquilo era realmente lindo!

          - Boa noite filhas queridas... - Disse com a mesma voz tenra e gentil de sempre - hoje iremos aprender um pouco mais sobre o princípio da vida, sobre o poder que cada uma de voz tem dentro de si, para que comecem a despertar para possibilidades infinitas de cada ser...
          Yakecan falava e eu notava que as meninas não esboçavam reação alguma. Como podia?! Elas não estavam ouvindo? Estavam dormindo acordada? Todas estavam petrificadas e sem reação, me indignei.
         - Somos todos, nesse mundo imenso, pequenas fagulhas do amor incomensurável da grande sabedoria. - parou por um segundo olhando cada uma de nós - Cada um de nós temos acesso a esse poder infinito, mas nem todos conseguem despertar esse conhecimento... Olho par vocês e vejo que ainda dormem ao contrário de seus corpos que quando estão neles estão acordados. Tens em vossas vidas que despertar para se ter a consciência de abrir essa porta que da acesso ao impossível...
          Então é isso... estão todas dormindo!!! Pensei estupefata. Mas como pode ser? Me perguntei. Se as vejo todas aparentemente com os olhos bem abertos... E eu... Por que estou, ou pareço acordada? Me belisque forte, quase dei um grito. Me contive sem graça e voltei a prestar atenção no que Yakecan dizia.
         - Cada vez que vêem aqui é como se uma fresta se abrisse em suas mentes... Reforce essa vontade crescente de evolução, queiram abrir essa porta e atravessar... Saibam que não serei eu que o fará por vocês e sim vocês mesmas , pois só assim saberei quem está preparada para as grandes energias que estão chegando. E o mérito seras todo seus, pelo esforço... - parou novamente e olhou piedoso para nós - Nosso tempo aqui é curto, por isso estou correndo contra o tempo para tentar despertar o maximo de vós outros, mas volto a dizer, o esforço maior tem que vir de vossas próprias vontades. Queiram acordar! Queiram evoluir... precisarei de vós para disseminar essas novas forças que estão chegando...
          Então eu sou a única desperta? Senti uma mistura de excitação e medo. Não é possível!!! Olhei tentando achar Saíra, será que até ela estaria dormindo? NÃO É POSSÍVEL!!! Procurei e achei... Saíra estava do outro lado, petrificada como as demais... Olhei ao redor e ouvi um pequeno fungado, me assustei... Olhei tentando identificar de onde vinha e notei que uma das índias havia despertado... E ERA JUSTO A INDIA RAQUÍTICA QUE CHEGARA POR ÚLTIMO!!!! Fique feliz, muito feliz por ela!!! Que estranha felicidade é essa que da vontade de você ir abraçar uma pessoa sem ao menos conhecer? Me contive quieta... Meus olhos diziam por si só a felicidade que eu sentia refletida nas lágrimas que desciam.
          - Hoje quando acordarem em vossos corpos físicos sentiram no âmago de vocês uma estranha sensação, algumas poderão achar que estão passando mal... mas não se assustem, pois estamos acentuando cada vez mais as energias para que despertem o mais rápido possivel... - Yakecan deu uma pausa e contemplou silencioso todas as pequenas índias sentadas, como um pai carinhoso que espera que seu filho de seu primeiro passo - filhas queridas de meu coração, sinto-me muito feliz por estarem aqui, mesmo que na situação que por hora se encontram... queria eu ser pequeno como um grão de areia apenas para adentrar em vossos corações afim de tirar suas chagas, dores e incertezas, mas infelizmente não posso... mas seguirei firme no nosso proposito, pois de vós muito é esperado... e eu me despeço aqui, deixando em vós uma gota desse amor que trago de mundos distantes, para acariciar-lhes o coração para a evolução que terás que passar... com carinho seu pai...
         Yakecan disse suas ultimas palavras, meu rosto se derretia com tanta doçura e amor. Eu queria derreter vergonhosa diante do que ele emanava. Me sentia a menor das menores, a mais terrível, a menos capacitada, mas de alguma forma eu estava ali, sentada... DESPERTA! e feliz... Num piscar de olhos senti que tudo girou e tudo se escureu. Fechei novamente os olhos da alma e abri simultaneamente os olhos de meu corpo físico. As lagrimas ainda estavam lá, pois eu as senti descendo por meu rosto...

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Pagina 10 Entre dois mundos

          Sabe aquela sensação de quando você fica submerso na água por um bom tempo e de repente você emerge puxando todo ar do mundo e na maior agonia e no maior desespero? Pois é... essa fui eu quando desmaiei! Parecia que estava afogando e explodi de repente abrindo a boca, os olhos e debatendo pernas e braços. Foi horrível!!!!
          "Me recuso a desmaiar de novo! ME RECUSO!!!" Dizia para mim mesma enquanto pessoas vinham tentar me acalmar. Eu definitivamente estava possessa, transbordando ódio, raiva, agonia. Sabe aquela sensação quando você ver as pessoas, mas não as ver? Tinha um monte me segurando, todas eu conhecia muito bem, mas ao mesmo tempo minha raiva e inconformidade me impedia de "vê-las". Foi horrível, é a unica coisa que consigo dizer agora... HORRÍVEL!
          Aos poucos o tempo ia passando e eu ia me acalmando, as meninas que me seguravam com força aos poucos iam afrouxando as mãos. Eu, agora, ia criando consciência de onde eu estava. Tudo o que eu via era o breu e a penumbra. Ergui minha cabeça um pouco e vi o cenário: Estava novamente na oca de ontem a noite. Os mesmos caciques estavam protegendo a entrada. Olhei com desdem esganiçando o olhar para cima e relaxei: Que saco! Ouvi uma risadinha vinda de algum lugar. Deixei pra lá. Saíra veio ter comigo e apoiou minha cabeça em suas pernas, pegou seus dedinhos finos e começou a pentear meus cabelos. Relaxei novamente meu corpo e a medida que via seu rosto de cabeça para baixo ia querendo adormecer... Pernas, braços, dedos, TUDO ia adormecendo. Senti a mesma sensação do desmaio. Dei um grito! Repreendi na hora e despertei novamente. Todas me olharam ansiosas, como se esperassem que algo fosse acontecer. Ouvi novamente a risadinha. Dessa vez olhei ao redor, pois a voz era masculina, e os únicos homens aqui dentro eram os dois caciques, e esses pareciam dormir em pé!
          - Saíra eu estou enlouquecendo? - Perguntei levantando o corpo do chão.
          - Você está cansada - respondeu-me ela - só isso. Não tem sido fácil pra ninguém aqui Natasha, todas estão passando por seus testes, por suas próprias dores...
          - Estou ouvindo vozes - disse olhando desconfiada a penumbra que mais parecia um véu negro nos cobrindo - isso não pode ser normal! E esses desmaios?
          - Fique calma Natasha... - respondeu-me ela.
          "Faz parte de sua preparação filha..." Falou-me a voz novamente. Eu dei um salto que quase joguei Saíra para trás.
          - QUEM ESTÁ AI?! - Urrei aos pulmões.
           Saíra levantou-se com os olhos que pareciam querer cobrir a face inteira, os Caciques me olharam e se entre olharam sem nada dizer.
          - Na-Natasha, - gaguejou ela - fique calma...!
          - COMO FICAR CALMA?! - Abrutalhei de vez - EU QUERO SAIR DAQUI!!
          Novamente ouvir uma risadinha suave.
          - QUEM ESTÁ RINDO DE MIM!? - Urrei. Eu girava na penumbra feito um pião descontrolado tentando ver quem falava comigo. - Não é possível que vocês não estejam ouvindo!!!
          "Fique calma minha filha... disse lentamente a voz suave lembre-se, vocês estão ai para serem observadas e ensinadas..."
          - Natasha - disse Saíra se aproximando - venha, deite-se um pouco.
          "Yakecan foi muito seguro quando disse que estavam sendo preparadas não foi?"
          - Isso, - disse Saíra enquanto eu me abaixava em suas pernas - agora fique calma... - Saíra voltou a acariciar meus cabelos a fim de me acalmar...
          - Eu devo estar ficando louca mesmo. Pensei estupefada. Estou ouvindo vozes!!!
          Eu ouvia a voz de Kananciuê simultaneamente a voz de Saíra, eu tinha a consciência total dos dois, era estranho isso! Eu não entendia!!!
          "Estamos preparando vocês para uma futura iniciação filha... todo esse desajuste em seu corpo físico é normal até que as energias se acentuem e equilibrem nos reinos de vossa natureza, por isso insisto, fique calma..."
          - Eu venho tendo vários pesadelos Natasha - disse Saíra com a voz profunda em memórias - Antes de meu irmão morrer, tive um sonho com ele, vi uma cobra enorme rondando a aldeia e ele ia tentar nos proteger, mas ela no final o enrolava e o matava...
         "Consegue perceber? Perguntou Kananciuê cada um passa por sua estrada de forma diferenciada, mas todas as estradas levam a perfeição de vossas almas, de vossos ser, procure aprender com o que ouvir filha, julgue menos e ouça mais..."
          Saíra tapava o rosto tentando esconder as lagrimas, olhei para ela e senti pena... o que eu poderia falar? O que eu poderia fazer? Abraçar? Acariciar? O que? Nunca fui boa nessas coisas! Nunca precisei ser gentil com ninguém, mas agora eu a vejo ali, a minha frente, precisando de uma palavra e minha boca estava fechada, seca...
          "Siga seu coração filha, deixe que ele fale por você... Ouvir a voz do coração é evolução espiritual... se permita evoluir filha... acredite em você...
          - Saíra... - Falei quase congelando por dentro. Ela me olhou e vi suas lagrimas refletindo a cor prateada em seus olhos. Senti um forte aperto. - Eu sinto muito...
          Saíra me olhou e se entregou. Chorou, chorou muito. Era como um desabafo, uma válvula que se abrira para expulsar sentimentos profundos, eu a abracei apertando-a em meus braços enquanto dizia palavras que meu coração começava a aprender. Ambas choraram, eu e ela, até o momento de cada uma consolar a outra. Novamente ouvi a risadinha, agora eu sabia que era de Kananciuê, ele estranhamente estava me observando. Por que será? Por que ele me escolheu? O conselho dos velhos sábios me reprovara, mas ele pôs a mão, queria que eu estivesse ali...  mas por quê? Perguntas essas que talvez nunca saiba a resposta. Também não queria perguntar. Queria apenas estar ali, com pessoas do bem, aprendendo também a ser do bem... senti naquela noite que minha vida a muito não era mais a mesma...

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Pagina 09 Lembranças e Surpresas

          Saí da oca me sentindo meio abobalhada. Parecia que o céu estava mais brilhante e as cores mais vivas. Eu fui a ultima a sair, os caciques que seguravam a entrada desapareceram, não os vi mais. Caminhei entre todos da aldeia como que hipnotizada, que sensação estranha! Pensei. A unica coisa que vinha a minha cabeça era procurar por minha mãe, a Danra. Então segui para nossa oca que era mais afastada do centro da aldeia. Caminhei alguns minutos e a adentrei, logo de cara não a encontrei, sai e dei uma volta ao redor da oca e não vi nem ela nem papai. Aquelas horas eu não tinha animo nem para esganiçar raiva ou praguejar algo. Fui então em direção ao rio. Caminhei, cruzei com alguns índios, mas estranhamente não vi nenhuma das índias que estavam comigo ontem a noite. Continuei seguindo. Saí da aldeia, e segui pela Saraboya, que era a trilha que dava para o rio. Novamente encontrei alguns outros índios costumeiros, eles olhavam para mim com ar de profunda observação, e eu passei direto por eles sem ao menos olhar-lhes a cara. Logo senti o friozinho que arrepiou meus braços, estava bem próximo do rio, faltava fazer uma pequena curva pela trilha e lá estava ele... lindo a me esperar. E não deu outra, logo mergulhei em suas ondinhas frias e escura. Ali fiquei apenas pensando no episodio de ontem a noite, cada detalhe que ficara em minha mente. Os olhos de Yakecan era o que mais me chamava a atenção, estava tão diferentes dos que eu costumava ver... Puxei o ar novamente e mergulhei, queria ir até o fundo do rio, sentir aquela areiinha e puxar um pequeno maço de terra comigo. Não consegui... subi e puxei novamente o ar. Antes de mergulhar novamente ouvi um farfalhar numa moita as margens do rio. Assustei... mergulhei meus corpo deixando apenas meus olhos e nariz para fora... nada aconteceu. fiquei assim por alguns minutos, e nada. Me tranquilizei... lembrei-me da onça que vi, logo me veio o rosto de Moara, meu coração se contorceu. Mergulhei!
          Lá embaixo puxei o maço de areia que eu queria, mas ele se desfez antes mesmo de eu voltar a superfície. Subi feito um raio descontrolado, minha cabeça já reverberava: Moara... MOARA!!!  Por que eu sinto tanta raiva dela? Fiquei pensando enquanto puxava ar... Ouvi novamente a moita balançar, virei-me e vi um vulto sumindo por de trás de uma arvore, arreganhei os olhos, meu coração foi a boca, eu quase engasguei, pois afundei um pouco... nadei um pouco tentando me afastar da moita, estava indo a outra margem, ia ficar lá parada esperando e olhando, mas pensei melhor... fiquei no rio.
          Minhas pernas meneavam nas águas profundas e escuras, meu corpo aos poucos ia esfriando e meus olhos fixos estavam naquela moita... fiquei a observando sem nem ligar para o que acontecia ao redor, vez ou outra surgia alguém que entrava no rio e saía, mas eu ficava lá... apenas observando. O sol já batia o centro do céu, olhei para cima e vi algumas nuvens deslizando suave e despreocupadas. De fato estava um dia muito tranquilo. Àquelas horas fiquei pensando que nada mais aconteceria e decidi sair, fui meio corajosa e segui rumo a moita, saí do rio e passei ao lado dela. Nada aconteceu... naquele momento ouvi outro som, mas dessa vez era o de minha barriga, estava faminta. Precisava comer. Caminhei um pouquinho enquanto espremia meus cabelos, alguns fios ficaram em minhas mãos, eu os soltei no chão enquanto andava. Saí da Saraboya e entrei na mata fechada, precisava encontrar algo para comer. Vi algumas arvores enormes, alguns coqueiros, butiás, mirtilos, sapucaias, mas o que mais me chamou a atenção foi os pés de pitangas, e estavam carregados, havia alguns pés de goiaba também... aquela tarde eu me esbaldei. Comi e me senti pesada, sentei-me um pouco para descansar. Essa pausa me fez lembrar novamente do ocorrido ontem a noite, lembrei-me então de Saíra, onde ela estava? pensei. Por um momento todo o cenário a minha volta se apagou, eu voltei a viver as palavras de Yakecan, eram lindas e deixaram marcas profundas em mim. Queria passar mais tempo ali, ouvindo, sentindo aquele mundo estranho, aquelas sensações na qual eu não conseguia traduzir, lembrei dos olhos das índias, do jeito que ouviam, das poucas lágrimas que algumas deixavam cair, de Saíra... Saíra?... onde estaria Saíra?... e Ceci? Precisava procura-las, agora me sentia mais forte, menos grogue, mas consciente. Aos poucos minha memoria se tornou branca e o cenário a minha volta verde e vivo. Abri meus olhos e vi um vulto negro me observando. Congelei literalmente! Quando dei por mim estava em pé. Procurei com toda pressa do mundo uma pedra ou um pau para me defender, mas não achei. Olhei para a silhueta escura e ela não sumiu, estava ali... parada, me olhando, tinha os olhos amarelos. Não achei pedra alguma e saí correndo. Não sei em quantos minutos cheguei na aldeia só sei que quando cheguei nada eu vi... tudo revirou. Tudo se tornou sombrio, turvo. Caí desmaiada... novamente!
         


























terça-feira, 3 de junho de 2014

Pagina 08 O grande Pajé

          As horas iam passando e por mais que eu tentasse ou disfarça-se estava me sentindo agoniada. As horas ali dentro pareciam paradas, as meninas andavam sem rumo dentro da oca escura e eu as observava do meu canto, sem nada falar, mas com a cabeça a mil. Virei-me para as palhas secas e abri uma fresta, precisava olhar se havia algum movimento do lado de fora. Nada. Tudo estava parado, estático. Consegui olhar um pedacinho do céu, estava com algumas nuvens, nada mais eu pude ver. Fechei a fresta. Passei os olhos tentando ver onde estava Saíra e a vi deitada no chão, parecia calma e serena. Pensei em ir até ela, pedir desculpas... essas coisas, mas não fui. Parei. Não ia fazer isso... Aos poucos o silencio e a penumbra foi me lenteando, não sei quanto tempo fiquei em pé, mas minhas pernas começavam a doer, Sentei. Cruzei as pernas e me encostei nas palhas. Olhei para frente e vi que algumas das índias deitavam no chão, uma ou outra estavam em pé. Minha cabeça àquelas horas estava meio que em câmera lenta, estava me sentindo zonza, minhas pálpebras pesaram, fazia o esforço do mundo para ergue-las. Olhei pra Saira e a vi dormindo, olhei para as demais e quase todas dormiam profundamente. Deve ser o cansaço, pensei. E me entreguei ao sono profundo.
          Olhei em volta e percebi que assim que fechei meus olhos do corpo eu abri os olhos da alma. Levei um susto, pois não reconheci o lugar. Pus as mão no peito e senti meu coração batendo normalmente, dei-me um pequeno beliscão e senti a dorzinha normal. O que é isso? Pensei. Estava dormindo? Até aquele momento eu não sabia. Fui então tentar descobrir. O lugar era diferente, mas era tão escuro quanto a oca em que estava meu corpo. Fui tateando as paredes do lugar e as senti úmidas e frias, arrastei o pé no chão e percebi que era feito do mesmo material que as paredes. Girei meu corpo para melhor ter a visão do lugar e lá na frente pude ver um fecho de luz que vinha do alto tocando o chão, era lindo. Como um véu de prata em meio a toda essa escuridão.
Caminhei até ele. O estranho era que mesmo o lugar sendo escuro eu caminhava com total segurança, achei isso muito estranho! E continuei.
         Aos poucos o fecho de luz ia se mostrando maior e maior, pude perceber que ele iluminava uma espécie de altar. E como estava mais próximo dele pude notar melhor o ambiente. Era uma caverna, e esta era enorme e profunda. O feche de luz iluminava exatamente o centro de um salão cimentado por rochas milenares. O estranho foi que esse lugar parecia familiar para mim... Porquê? Olhei em volta para me situar melhor e vi algumas silhuetas sentadas e ouvir alguns murmúrios. Senti profunda vontade de me aproximar delas e assim o fiz. Caminhei confiante pelo grande salão de pedras e sentei-me. Para o que eu não sabia, mas ali eu estava. Fiquei parada não soube por quanto tempo, mas o tempo suficiente para reconhecer aquelas silhuetas. Eram as índias que estava dormindo na oca, TODAS! Inclusive Saíra, que estava sentada a uma certa distancia de mim, ela não me encarava, parecia absorta pelo o que estava lhe acontecendo. Ouvi então pés se arrastando na penumbra atras de nós, olhei curiosa e vi mais outra índia chegando. Pude sentir o ar de profunda curiosidade em seu semblante, a pequena sentou lá atras, um pouco distante de nós. Pelo jeito ela não nos reconheceu. Na verdade todas pareciam meio abobalhadas, meio zumbis, eu não entendia o porque de somente eu parecer estar tão desperta. Senti então em meu íntimo que alguém havia chegado, não era definitivamente uma outra índia, era alguém com uma emanação diferente. Olhei de súbito para o feche de luz e vi com clareza um corpo se fazendo da luz emanada do céu, como se ali fosse uma porta e esse ser acabasse de entrar. Rapidamente todas se empertigaram, abriram mais seus olhos inclusive eu, e assim a luz se fez gente.
Logo pude ver quem era, senti emanar da luz uma essência suave e delicada que eu ainda não havia identificado. Não era Kananciuê, e sim o pajé Yakecan. Todas curvaram-se em respeito ao grande homem a frente, inclusive eu. Yakecan trajava roupagem nobre, clara como a luz que emanava, seus cabelos brancos estavam soltos e meneavam suaves como se houvessem vida própria, seu olhar não era o mesmo que eu conhecia, estava altivo, mais sábio, mais além do que eu poderia compreender. Senti, em meu intimo, a falta de Kananciuê, fiquei na expectativa dele aparecer, mas não apareceu. Yakecan então falou:
          - Sejam bem vindas - dizia olhando para cada uma de nós - pequenas gotas do amor incondicional do nosso grande Deus sobre todos. Hoje começa nosso grande trabalho. Entraram nessa caverna e dela não sairão as mesmas... Olho para vocês e vejo a imagens das jovens Danras de hoje, ansiosas, temerosas ontem e grandes e sabias hoje... - parou fixando olhar em algumas de nós - A vida de vós não mais será a mesma na qual estavam destinadas a ser, será melhor! Um novo mundo se descortinará para vós, trazendo novas melodias universais, novas esperanças para esse mundo que escurece a cada raiar de sol. Minhas filhas, sois escolhidas a dedo dentre tantas de nosso povo, não por serem melhores, mas por terem em suas almas grandes sabedorias e conhecimentos... sabedoria essa que saberão de onde vem com o tempo certo. - Yakecan parou por um segundo, todas nós parecíamos congeladas por suas palavras sinceras e de profundo amor e conhecimento, ele nos encarava como um pai encara seus filhos, tinha a idade da Terra e a ternura de um broto de rosa, seus olhos singulares fitava-nos com profundo respeito e carinho, ele continuou:
          - Erga suas mentes para o que é prospero e eterno, não se percam nas mesquinharias desse mundo que é banal e passageiro, conhecerás aqui o significado do que é ser eterno e eterno serás, a luz que emana nessa hora aqui de mim é a mesma luz que cada um desse mundo possui, mas todos se encontram ainda dormindo em suas consciências, e vós terão que acordar, que despertar, para dar luz aos cegos e amor aos desesperançados. Vamos filhas, vamos permitir que a mudança ocorra de dentro para fora, por que assim quer seu pai o Soberano sobre nós que é puro amor, pura paz e conhecimento. Conhecerão o passado e o futuro desse mundo de mistérios e assim sendo conhecerão a luz e a treva em seu coração. Sinto-me feliz por estarem aqui, dentro dessa caverna onde grandes seres desceram para ensinar, e assim como estão ai sentadas digo que ontem era eu, cheio de duvidas e incertezas. Acreditem filhas de meu coração e tudo lhe serás dado...
          Yakecan terminava de falar e suas vestes e pele iam se confundindo novamente com a luz que descia do céu. Logo o grande índio não pode ser mais visto nem escultado. Nossos corações transbordavam de pura felicidade e alegria, sentimentos esses que vem me enchendo abrindo meus olhos para novas perspectivas. Fechei então meus olhos da alma e em seguida abri os olhos do corpo. Senti minhas pálpebras fecharem, pois já era dia e a luz do sol quase me cegara. Notei que as pequenas índias assim como eu iam despertando uma a uma. Senti que a partir daquela noite, nunca mais eu seria a mesma...





















segunda-feira, 2 de junho de 2014

Pagina 07 Despertando a consciência

         Senti meu corpo despencar, após isso tudo escureceu... De novo! Vi novamente a luz e o túnel, mas dessa vez havia algo a mais. Olhei fixamente na luz e vi que algo se movimentava em meio a ela, estava difícil de ver, pois minha vista estava embaçada, cocei varias vezes meus olhos e não melhorava por isso não identifiquei o que eram, pra mim eram duas pessoas. Fiquei contemplando-as até que meu corpo começou a se mover em direção à luz... Fui me aproximando e as silhuetas iam ser mostrando cada vez mais nítidas. A cada centímetros que me aproximava sentia que meu corpo adormecia mais e mais, olhei para meus pés e eles pareciam mortos, eu não os conseguia mexer!! Olhei para novamente para as silhuetas e senti um calafrio arranhar minhas costas. Não sei quem ou o que eram, mas definitivamente eram mais altos que qualquer homem que tenha visto. A essas horas não conseguia enxergar mais nada, tudo se tornou um breu branco e silencioso, sentia apenas suas mãos tocando como se analisassem em meu corpo, e eu não conseguia nem gritar nem chorar... Fiquei assim por um tempo que eu não entendia. De repente tudo escureceu...
         - Natasha... Natasha! - Chamava me uma voz familiar, era Saíra. - Acorde!
         Saíra me sacudia enquanto me chamava, aos poucos fui voltando ao normal. Abri meus olhos e tive dificuldade em enxergar, apenas a voz de Saíra e alguns murmúrios me mostrava que eu ainda estava viva. Tateei o ar tentando acha-lá, segurei seu braço frio e me apoiei para levantar.
         - O que está acontecendo? - Perguntei. - Que escuridão é essa? Aos poucos minhas vistas iam voltando ao normal e eu fui conseguindo definir formas em meio aquela penumbra.
         Saíra consertou o corpo e disse baixo:
         - Açuã te encontrou caída na floresta, e te trouxe pra cá.
         - Mas onde eu estou? - Perguntei tentando identificar o lugar. - Por que estamos aqui?
         Saíra calou-se, não vi seu rosto, mas senti que chorava em silêncio.
         - Saíra, fale logo o que está acontecendo! - Gritei enérgica.
          Houve um segundo de silencio...
         - Tuíra... - disse ela parando novamente, houve outra pequena pausa - ele foi morto... - Sua voz estava embargada.
         - Seu irmão?
         - Sim...
         - Mas como Saíra? - Perguntei me sentindo incomodada pela demora das respostas.
         - Foi encon... - Saíra calou-se e começou a chorar, senti uma dor no peito e me senti muito mal e sem graça. "O que falar para ela?" Pensei... Toquei então seus braços que estavam frios e a abracei.
         - Nossa... - Foi a única coisa que consegui falar.
         - Ele foi morto, - disse ela por fim com a voz grave e obscura. - Foi encontrado morto... - Parou por um outro segundo - próximo ao rio, - houve outra pausa, senti a força que ela fazia para me contar o que aconteceu.  Senti pena e desconforto, ela continuou - Ele estava com as pernas quebradas e todo ensanguentado...
         " ensanguentado?" Pensei tentando ver seu rosto na penumbra. Ouvir aquilo me fez arder! Lembrei me do que vi, da onça, de sua boca ensanguentada e DE MOARA TENTANDO CAMUFLA-LA LIMPANDO-A!!! Larguei Saíra de imediato e sumi na penumbra. Estava fervendo!!! Me sentia culpada por aquilo! EU A VI COM A ONÇA!! Eu poderia ter contado a todos, e essa tragédia não teria acontecido! Mas... Mas... - Pensei em Ceci - ela estava certa, alguma coisa está acontecendo e eu... E eu só desmaio! SÓ DESMAIO!!! - Urrei em meus próprios pensamentos.
          - Natasha - chamou-me Saíra se aproximando - não fique assim, precisamos superar isso...
          - Saíra - falei - você não entende... Eu vi...
          - Não importa o que você viu - respondeu-me ela me interrompendo de imediato - agora é tarde, aconteceu...
          - Saíra, você não entende.
          - Lembre-se de que Kananciuê disse, os tempos são difíceis Natasha, e eles estão ai, tocando cada uma de nós e quem somos nós diante do que estar por vir.
          Paralisei! Ouvir Saíra dizer aquilo foi como se eu tivesse levado uma flechada que atravessasse meu peito. Como que até ela que eu julgava ser apenas mais uma, estava agora me dando, ME DANDO UMA LIÇÃO DESSAS!? Fixei meus olhos em Saíra, mas via Ceci, com aqueles olhos meigos me encarando e me reprovando. Esfreguei meus olhos... Saíra já tinha terminado de falar, meu peito arfava de desconforto e raiva. Ergui minha cabeça e a vi cabisbaixa em meio a penumbra, provavelmente chorando. Eu tinha que contar que foi Moara, que ela criava uma onça que matou seu irmão, EU TINHA QUE CONTAR!!! Mas não consegui...
           Dei um abraço em Saíra e sumi em meio aquele oca escura, queria ficar só. Minha mente só aparecia alguém: Moara,  MOARA! Eu tinha que desmascara-la, tinha que bolar algo, mas o que?
          Olhei ao redor tentando achar uma ideia, meus olhos percorriam cada fresta nas palhas da oca, olhei para a entrada e vi que havia dois grandes caciques em pé com os braços cruzados. Parei, achei estranho. Por que? Olhei ao redor, agora com mais consciência e vi que ali havia apenas meninas, todas da aldeia, e todas mais ou menos da minha idade, algumas choravam outras trancavam a cara nos cantos. O que é isso? Pensei. Estamos presas? Levantei e fui até o cacique, tentei passar como se eles não estivessem la. Fui barrada e empurrada para trás. Caí e os xinguei. Saíra veio e me ajudou a se levantar!
          - O que está acontecendo? - Perguntei totalmente fora de mim.
          - Calma Natasha, estamos sobre observação, apenas isso.
          - Observação? Do que? E POR QUE?
          Olhei ao redor tentando identificar todas as índias.
          - E por que só nós? - Perguntei enfurecida - cadê Moara? Por que ela não está aqui!? Cadê Ceci?
          - Calma Natasha, não aja dessa forma...
          - E como você quer que eu fique? - Perguntei com certa ironia. - Meu pai, cadê meu pai? VOCÊ  SABE QUEM É MEU PAI!? - Urrei pra ela, estava descontrolada. Não gosto de me sentir presa, NÃO GOSTO!!! Eu não fiz nada, e quem fez não está aqui!!! Vocês não entendem! - Urrei pra todos os cantos.
          Senti uma leve brisa tocando-me como que abraçasse-me, ouvi um zumbido agudo e perdi metade da minha consciência, em seguida alguém falou comigo.
         - Filha, acalme te o coração...
         "Kananciuê?" Pensei.
         - Ninguém a está prendendo, - disse ele com a voz terna e gentil de sempre - tu és livre para escolher o caminho que quiseres percorrer...
         Eu ouvia a voz de Kananciue e sentia transbordar novamente aquela energia indescritível percorrendo meu corpo, sua voz não batia em minha mente, era como que acariciasse meu ser, minha alma, era algo impossível de traduzir. E eu estava ali... semi consciente, com Saíra ao meu lado, ouvindo o que ambos me diziam e discernindo cada palavra.
         -... Filha, - disse kananciue - tu só estas aí para que tenhas uma condição especial nessa transição que estas acontecendo. Eu mesmo a escolhi entre todos que a recusou. Eu mesmo a quiz aí...
        - Natasha, - dizia Saíra- eu também não sei por que estou aqui, mas eu sinto que e para algo melhor, por isso peco a você que se tranquilize...
        - Mas essa decisão e sua filha... somente você poderá traçar seu caminho...
        - Eu vou ficar - respondi de súbito, vou honrar sua confiança.
        Saíra me olhou com os olhos assustados.
        - O que? - Me perguntou Saíra.
        Fiquei em silencio, pensei muito, entristeci-me comigo mesmo. Queria ficar só, esperando por algo que eu não sabia o que era, mas teria a partir daquele momento paciência para esperar.
        Kananciuê já havia ido em seus mistérios, agora estava apenas eu e Saíra, me deixando com aquela sensação de que algo muito sério me esperava... Respondi a pergunta de Saíra e sumi, indo pros fundos da oca, onde a penumbra se concentrava. Queria ficar só... Apenas sentindo essa energia intensa que inundava todo o meu coração.