sexta-feira, 23 de maio de 2014

Pagina 03 Dia Fatídico

          Comi meu niguara sem vontade alguma. Definitivamente o dia começou péssimo pra mim. Não sei o por que, mas amanheci entediada.
          Saí da oca logo cedo... olhei o céu azul com poucas nuvens, quase não ventava, havia alguns pássaros voando lá e cá, que saco! Pensei, poderia estar nublado para poder chover, assim eu poderia ser poupada das lições diárias de como se comportar como uma boa índia e quem sabe se minha mãe, a Danra, me deixasse dormir um pouco mais. Procurei logo Ceci entre todos que transitavam na aldeia, não a achei. Mais um motivo para achar esse dia um saco. Achei logo de cara Moara, - odeio você! Pensei assim que passei por ela, fiz questão de nem olhar... encontrei tagarelando com outras índias a  Saíra, não fiz questão de saber do que estavam falando e prossegui...aproveitei para ir até o Motí, ( Motí é o espaço aberto e descampado no centro da aldeia, onde ocorre rituais de dança, lutas etc...  *nota de M. Lob ) a essas horas os homens da tribo estão se preparando para as danças de venturas e prosperidade que sempre fazem assim que o sol sai. No Moti vi apenas oito índios cumprindo o ritual, achei estranho pois geralmente são quarenta dentre os mais velhos e os mais novos. Olhei ao redor para procurar alguma Danra para perguntar o motivo, mas não encontrei ninguém. Então no meio de algumas índias que observavam como eu o ritual de dança acabei vendo Ceci passando despercebida, corri até ela... mas ela já havia sumido. - Onde foi parar ela? Pensei. O dia prosseguiu tão chato quanto começou. Não vi Ceci durante aquele dia...
          A tarde aproveitei para tomar banho no rio, e para minha surpresa quem estava lá? MOARA! A cumprimentei e mergulhei seguindo logo para a outra margem do rio. Ali fiquei observando. Senti a água fria tocando meu corpo, meus cabelos se perdendo nas marolas do rio, quis dormir ali, mas sabiamente não o fiz, pois me conheço muito bem... tenho muita facilidade de dormir, e se o fizesse ali logo engasgaria com a água dando motivo para que Moara zombasse de mim durante meses. Engoli o sono, fiquei a observando... 
         Moara tem três anos a mais que eu, é esnobe, nariz empinado, bunda empinada... que ódio! Não sei o porque sinto isso dela, na verdade ela nunca me bateu... bem, - lembrei-me, as poucas vezes que puxou meu cabelo eu puxei os dela de volta, mas tirando isso, não sei por que a odeio tanto, talvez seja por que ela tem esse corpo que... ah, deixa pra lá.
         Vi,  enquanto a observava que ela não falava com ninguém no rio, havia três outras índias perto dela, mas para  Moara parecia que não havia ninguém. Guaraci e Iaciara pulavam de um lado jogando água uma nas outras de um lado, Turandá e Ximbyra conversavam despenteando seus cabelos do outro lado e Moara no meio, ela parecia fixar seu olhar na mata... que estranho! Pensei. O que ela tanto olhava? Só havia macacos lá, e estranhamente MUITOS macacos...
          Ficamos todas ali por vários minutos, vez ou outra aparecia outras índias, entravam um pouco e saiam, mas eu e Moara permanecíamos no rio. Moara continuava fixa olhando nas arvores, como se estivesse hipnotizada. Vez ou outra descia um macaco caminhava no leito do rio, bem próximo a ela e subia novamente como se despertasse de um transe... tentei entender, mas deixei pra lá. Com um tempo Saíra surgiu gritando meu nome, a Danra minha mãe queria ter comigo. Saí do rio...
         Assim foi meu dia, parado! Logo papai chegou com Nhandeara, seu amigo, pareciam cansados. Ele ficou um pouco e saiu a chamado do grande pajé Yakecan, minha mãe pareceu meia excitada, não entendi, senti uma pontada estranha no peito, fiquei pensando em perguntar o que estava acontecendo, mas desistir... minha mãe como Danra tem seus segredos e uma coisa que aprendi foi a respeitar os mais velhos mesmo quando a sua vontade é mais forte que a lei que nos rege... A noite seguiu tranquila, fui dormir... papai, aquela noite, não voltou para casa...


















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