quarta-feira, 5 de julho de 2017

27 Novamente a Caverna

     Não sei quanto tempo havia passado desde o momento que apaguei na aldeia.  Só me lembro do barulho irritante da gota tocando incessantemente uma pocinha de água dentro daquele lugar fétido e escuro. Estava eu mais uma vez dentro de uma caverna monstruosa, lodosa e mal iluminada. Haviam tochas presas nas paredes, fincadas no chão, espalhadas todos lugares. A cor amarelada dava um ar melancólico ao lugar. Levantei olhando a volta. Tudo estava quieto, exceto pelo barulho irritante da goteira ao meu lado. olhei praquilo e quis vomitar, era uma água lodosa e fétida. Me afastei.
     - Olá!! - gritei.
     Sentir minha voz perder vida nos corredores sem fim da caverna foi a sensação mais estranha que já tive em minha vida. Onde eu estava? Precisava acordar! Sei que estava dormindo no corpo.
     Procurei uma pedra, um pau, sei lá... algo que pudesse me causar dor a fim de despertar no meu corpo. Olhava de um lado pro outro e não via nada que pudesse me ajudar. Tirando o veio de água pútrida no chão, o resto estava vazio.
     - Merda! Preciso acordar... será que as outras índias estão aqui? - falei baixinho pra mim mesma. Tentava me localizar, era preciso agir... andar... sair dali. Comecei a andar, procurando ficar proximo a parede, nunca se sabe o que pode acontecer.
     "O olho!!!" Pensei abrindo minha mão. Arfei ao ver que estava vazia. Olhei ao redor. Nada vi. "Perdi o olho?"  Definitivamente não sabia se ficava feliz, ou se chorava. Era uma sensação indecifrável que me deixava inquieta naquele inferno.
     - OLÁÁÁÁ!!! ALGUÉM AQUI!? - Gritei. E nada. - Caramba! Estou só! Lembrei-me de Kananciuê... senti um aperto fino no peito. O que realmente eu estava fazendo da minha vida? Me questionei. Tudo estava tão confuso, estranho.
     - Lá está ela! - disse de repente uma voz engrenhada. Olhei pra trás assustada. Eram duas figuras escuras na penumbra. Só via a silhueta sombria.
     - Quem são vocês!? - Perguntei apoiando um dos pés para trás. Pronta para correr.
     - Calma princesa... somos do bem. - Um olhou pro outro e deram uma gargalhada monstruosa que me encheu de arrepios. Aquilo não podia ser um humano, não podia. A caverna chega trameu! - Não somos do bem... mas não somos do mal... quer dizer... - parou a sombra de falar. O outro deu-lhe um tapa na nuca que me deixou sobressaltada. Ambos riram novamente.
     - Me deixe sair daqui... por favor...
     - Sair? - riram novamente. - Impossível princesa... impossível.
     Comecei a chorar. Me joguei no chão aos prantos. A sombra menor se aproximou mostrando-se a luz da tocha entre nós. Levantei focando meus olhos vermelhos neles. Aquilo não era uma pessoa, nem um índio, nem um ser comum, era um monstro! Tinha o corpo de um homem comum, cheio de deformidades pelo corpo, olhos esbugalhados, coluna protuberante, unhas grandes e grossas. Um cheiro podre! Eu quis correr, mas algo me prendeu.Olhei pros meus pés e havia uma corrente trançada neles. Como aquilo foi parar aqui!? Tentei me livrar a todo custo, mas era impossível! A fera se aproximava enquanto eu urrava de medo e temor. Os dois não riam, gargalhavam de mim. Segundos depois estava nas mãos horrendas que me puxaram pra cima me jogando em seus ombros. Caminhamos por tuneis estreitos e lodosos, eu sentia ânsia de vomito só de pensar em tocar aquelas paredes úmidas e gosmentas. Um deles falou:
     - Inuiaxa já chegou?
     - Certamente que sim. Ele não se atrasaria. - respondeu o outro com desdem.
     " Inuiaxa? Eu sabia que isso era coisa daquele coisa ruim!"  Pensava quando minha cabeça rodopiou. Os dois bichos me seguraram quando fui me vendo em outro lugar. Estranha aquela sensação. Era como se eu estivesse em dois lugares ao mesmo tempo. Já havia presenciado esses fenômenos enquanto acordada, mas dormindo nunca!
     Naquele momento minha visão ficou turva, como se eu tentasse ver através de um espelho d'água. Ouvia vozes. Eram dois homens conversando. Eu percebia algumas arvores, pois as via balançando seus galhos com força. A media que os dois monstros me sacudia, eu ia mais adentrando naquele mundo estranho. As vozes, que antes estavam longe, iam se aproximando mais e mais. Aos poucos eu pude entender o que diziam.
     - Ela é fenomenal. Bem como você havia dito!
     - Eu sei! - Respondeu o outro. - Kananciuê tem um grande amor por ela, e isso dificultou um pouco dela se aprofundar nas...
     Meu coração arfou. Aquelas vozes...
     - Vou transforma-la numa excelente recipiente para a Anhagá. - disse a voz mais velha.
     "Inuiaxa?" 
     - Não se esqueça do trato que fizemos... - lembrou a voz masculina mais jovem.
     - Claro que não! Agora preciso ir, vou ter-me com ela.
     - Não machuque minha filha... só te peço isso...
     "Pai!?"
     - Claro que não. - Respondeu o velho com a voz risonha.
    De repente a visão turva foi sumindo, sumindo, me deixando nítida no corpo na caverna.
     "Com quem meu pai tem um trato?" Pensei abismada. Eu já nem ligava dos socos e beliscões que recebia dos bichos feios pelo simples fato de estar meia desacordada. Minha mente só via meu pai na com trato com aquele indio maldito! Que trato era aquele? E o que diz respeito a mim!?
     - NA-TA-SHA! - soletroude repente uma voz que tinha um timbre que começava a odiar. Levantei minha cabeça e vi Inuiaxa a minha frente, com os braços estendidos, com um sorriso de orelha a orelha. Atras dele dois outros lacaios que não pude identificar direito. Meu coração foi a boca e voltou.




continua...























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